Para quem é mais saudosista ou que possui alguma restrição a determinados estilos musicais pode pensar mesmo que as últimas produções musicais lançadas não desenham um bom futuro para esta arte. Junto com este pensamento vêm, geralmente, os argumentos de que o que tem surgido por aí traz melodias simples, letras rasas e que não há nada de novo no mercado.
Mas o que não conseguimos perceber é que talvez tenhamos que deixar de lado algumas convicções e buscar em outros ritmos e outras fontes algo novo que realmente valha a pena parar e ouvir. Foi o que eu fiz recentemente e posso falar: Tem valido a pena. Por isso, a partir de agora vou escrever com frequência sobre o que eu tenho encontrado de novo e que vale a pena ouvir mais. Serão entrevistas com novos artistas, que muitas vezes vêm fazendo um trabalho independente e geralmente não tem muito espaço nas mídias tradicionais.
Logo de início trago a entrevista com Fábio Brazza, um cara que vem propondo uma verdadeira mudança de atitude por parte dos jovens, faixa etária a qual ele mesmo pertence. A proposta conta com o também jovem MC Garden, e busca incitar o que eles chamam de “Geração de Pensadores”. E esta ideia vem ganhando força nas redes sociais, o que pode ser uma prova de que realmente faltava alguém para puxar algo novo.
Fábio Brazza e a “Geração de pensadores”
É possível ver logo de cara que se trata de um trabalho diferenciado. Com letras profundas e bem elaboradas, repletas de referências, além de muita qualidade no ritmo e na rapidez das rimas, Fábio Brazza, que é formado em comunicação, contou com exclusividade para O Masculino quais são suas influências e inspirações, o que o levou para o Rap e o que ele espera conseguir com a música. O garoto de 25 anos, que é neto do poeta Ronaldo Azeredo e sobrinho neto do também poeta Augusto de Campos, falou ainda de engajamento político-social, tema recorrente em suas músicas e poesias, além das dificuldades que os novos artistas encontram na divulgação do seu trabalho.
Entrevista
Em relação ao engajamento político-social, grande parte dos artistas renomados que antes lutaram décadas atrás, evita tocar no assunto hoje, ficando para os mais novos e que ainda não atingiram o auge da carreira fazê-lo. Qual é a sua opinião sobre isso?
Fábio Brazza – Acredito que em alguns casos os artistas de renome devem ser aconselhados por suas assessorias para não apontar para estas questões de uma maneira muito direta, para isso não prejudicar suas carreiras. Eles poderiam inclusive se queimar com parte do público por um posicionamento em relação à maioridade penal, por exemplo. Já artistas jovens, como eu e o MC Garden, a gente não tem nada a perder, não temos contrato com gravadora, agente é independente e fala o que pensa, sem estas amarras. Esta é uma das diferenças.
Eu entendo que se posicionar politicamente não só é uma responsabilidade muito grande, mas é também arcar com as consequências das críticas. Quando eu me posiciono em relação a uma coisa a quantidade de crítica negativa que eu recebo é tão grande quanto as positivas, então você precisa estar preparado para isto. E é uma coisa que te desgasta, sabe. Pra mim é novo tomar essas porradas e eu ainda tenho um sangue jovem de dizer “vamo lá, eu quero falar, é isso mesmo” e acreditar naquilo. Talvez estes artistas que já estão há mais tempo tomando estas porradas já estejam cansados disso e dizem “chega, quero falar de amor, da vida. Política, deixa pros jovens falarem sobre isso agora”.
É desgastante, cara. É um tema muito complexo e no Brasil se tem ideias muito fundamentalistas, muito radicais dos dois lados. Então você se posiciona de uma maneira consciente através de ideias e você recebe um monte de ataque, do tipo: “seu comunista de iPhone! Espero que um menor mate sua família pra você ver!”. E as pessoas começam a procurar você para ouvir sua opinião sobre as coisas e você se posiciona. Começa a ficar tão político que a sua arte fica limitada ao tema. Ai você vai lá e faz uma música falando de amor e eles dizem: “Ah, o Fábio amoleceu!”.
Por isso eu tenho este cuidado para não me expor a todo o momento, porque o cara que só fala de política fica chato e eu acho que a música, como toda arte, ela tem sim que mexer em temas sociais e políticos, pelo fato de a arte ser uma coisa transformadora, ela provoca, ela questiona, mas ela é muito mais do que isso. Não quero que as pessoas me vejam como um político, não quero que votem em mim. Meu desafio é fazer pensar, questionar, que é o que a arte faz.
Uma coisa que parece ter ganhado muito espaço na internet é o ódio. Você que tem as redes sociais como principal meio de divulgação, o que você percebe da situação atual?
FB – Eu fico impressionado com o ódio das pessoas a cada vídeo que eu posto. Eu acho que, primeiro, é uma coisa cultural do Brasil, porque a nossa mentalidade ainda está um pouco “Fla X Flu”, é um lado contra o outro. É educacional também, porque se as pessoas fossem mais instruídas, não somente em relação ao conhecimento, mas também à cidadania, a ética, o respeito, isto poderia ser diferente.
Quando você estuda e se aprofunda em alguma coisa, você percebe o quão difícil é formar uma opinião sobre um assunto. E as pessoas na internet já saem falando, como se fosse a mais pura verdade, xingando as outras. Todo mundo tem uma opinião formada e as pessoas atacam as outras não com ideias. Se você discorda de mim, me venha com argumentos e me convença, como vários outros falaram “cara, gostei do seu texto, mas sou contra por causa disso, disso, etc.” Acho que um dia a gente vai entender completamente de onde vem isso, porque eu realmente não entendo.
O que é a “Geração de pensadores” e oque vocês pretendem com esta ideia?
FB – O MC Garden tinha colocado esta frase “geração de pensadores” em uma música dele e quando agente se juntou para um trabalho eu percebi que os nossos fãs gostavam, as pessoas que admiram nosso trabalho. E eu acho que nós também tínhamos esta afinidade de sermos jovens pensadores, que questionam, que não estão contentes. E existe uma geração assim no Brasil. Acho que está se criando cada vez mais um jovem politizado, diferentemente da geração dos nossos pais, que foi uma geração mais acomodada politicamente. Não sei se é o fenômeno da internet que traz mais informação. As manifestações de 2013 nos mostraram que tem muita gente querendo sair de casa, protestar, se informando.
Então nossa música dialoga com essas pessoas e eu acho que a mensagem ali foi que o brasileiro ama falar mal dos políticos, falar mal do Brasil, mas como se ele se excluísse do problema. É por isso que já começo a música falando “esta é para os críticos de pensamentos paralíticos, que pensam que política é só para políticos”, ou seja, numa democracia todos nós somos agentes políticos. Você não precisa ter um cargo político, mas pode na sua comunidade fazer alguma coisa.
Se você não está jogando lixo na rua você está praticando a cidadania, de uma forma é política. Se você se informa sobre em quem vai votar, você está praticando a política. Então, todos nós somos agentes políticos e eu estou jogando um pouco a responsabilidade nessa geração de pensadores, falando “ó, não se acovardem, vem lutar com a gente, vamos ser patriotas. Chega de falar mal do Brasil, porque aqui tem gente boa, tem coisa boa. Vamos valorizar isso e vamos pra cima, porque geração de pensadores também é Brasil”. Criticando o problema, mas meio que dando uma solução “esta geração de pensadores pode mudar isso aí, só depende da gente”. Eu vejo muita gente nas minhas redes sociais dizendo que eu trouxe para eles um pouco do orgulho de ser brasileiro e isso é legal.
O que te levou a pensar isso, ter este ponto de vista?
FB – Uma das coisas importantes foi que eu morei fora, nos Estados Unidos por quatro anos, fui estudar, voltei para o Brasil faz um ano. Recebi uma bolsa de estudos para jogar futebol e fiquei este tempo lá. Acho que morando fora a gente passa a ter uma perspectiva melhor do Brasil. Eu comecei a ver as coisas e pensei: “pera aí, o Brasil não é tão ruim como a gente fala”. Todo país tem seus problemas e o Brasil ainda tem muitas coisas que são melhores do que nos Estados Unidos.
Eu comecei a perceber mais claramente as qualidades e defeitos do meu país morando lá e de certa forma eu comecei a ser mais patriota, porque ali eu era “Fábio, o brasileiro”. Foi inclusive daí que veio o nome artístico que eu uso “Fabio Brazza”. De certa forma eu representava o Brasil, como se eu fosse uma espécie de embaixador brasileiro. Tudo que eu fizesse eu seria julgado não somente como o Fábio, mas como um brasileiro, tipo: “olha como os brasileiros são legais”. Então eu sentia este peso e gostava disso, de falar bem do Brasil, de tocar meu cavaquinho.
Eu comecei a ficar mais patriota e pensei: “meu, quando eu voltar para o Brasil eu vou contar o que eu vi, o que eu senti, colocar este sentimento nos brasileiros de que o Brasil é um país maravilhoso, mas o povo precisa acreditar. Este é o primeiro passo da mudança. O Gandhi falava “seja a mudança que você quer ver no mundo”, por isto antes de mudar a gente precisa ver a mudança em nós, mas estamos cegos até mesmo para enxergar isto, de tanto que a gente critica.
Uma vez teve um show meu e do MC Garden na Fábrica de Cultura da Zona Leste e foram umas dez pessoas no máximo. Uma das pessoas que estavam lá era um argentino, que saiu da zona sul para ver a gente, porque tinha conhecido nosso trabalho na internet. Ele falou pra gente “Eu estou indignado com o quão vazio que está aqui. Vocês são muito bons, o show muito bom, mas não sei… os brasileiros parece que não valorizam as coisas boas. Eu estou no Brasil há tantos anos e vejo tanta coisa boa aqui. O problema do Brasil não é que não tenha coisas boas, mas é que vocês não sabem valorizar”.
Esperar que haja uma mentalidade coletiva no Brasil é muito difícil. Eu estou lendo um livro sobre a história do país que mostra que isso vem lá de trás. Nosso país se formou com a influência de grupos de imigrantes tentando se dar bem e que não havia uma identidade de país. Aí acaba que fica assim, cada um por si. O jeitinho brasileiro é um pouco disso.
Outra questão é que quando volta para o Brasil você acaba sendo envenenado um pouco por este pensamento. Estou ha um ano de volta, fazendo minhas músicas, com as críticas e tentando de alguma forma transformar, mas você acaba ficando um pouco cético quando solta o vídeo e vê tata gente te atacando e participando do debate de uma forma negativa, o tanto de gente que está saindo do Brasil, que não aguenta mais e está indo morar fora.
Eu tive a oportunidade e não quis. Eu podia ter me casado e ficado lá, mas eu senti que tinha uma missão, uma obrigação moral de voltar e às vezes eu até me questiono “pô, será que eu fui muito idealista?”. Porque não é fácil, entendeu? Lá nos Estados Unidos eu poderia ter uma condição financeira melhor, mas a minha vida nunca foi pautada pelo dinheiro, mas pela milha vida social. A vida social no Brasil é maravilhosa e morando lá você percebe que neste sentido os EUA não tem graça.
Quais são as influências do seu trabalho?
FB – Primeiramente o meu avô era poeta. Então desde cedo eu tive muita exposição às palavras, a poesia e aos livros, porque ele lia muito. Então eu via o meu avô lendo e me contando histórias e de alguma forma eu queria ser igual a ele, sabe. Criança tem que ter essa referência de um adulto.
Então foram os livros, a poesia e o samba. O meu avô nasceu em Vila Isabel e amava o samba. Amava o samba e Noel Rosa. Quando eu era pequeno, como eu jogava bola, gostava de pagode. Um dia ele me disse: “Escuta isso aqui!” Ele cantava as músicas antigas, vibrava a voz, me deu uma coletânea do Noel Rosa, que eu levei para casa e fui escutar. Como eu sempre fui ligado em letra de música desde pequenininho, eu fiquei chocado com a qualidade das letras e os pagodes que eu escutava não eram assim. Eu pensei: “Nossa, em 1920 olha o que ele estava escrevendo, caramba!”. Aí eu fui atrás desses caras, li a biografia… Então foi a poesia, o samba e os livros a base da minha construção, não só musical, mas da minha consciência.
Outra coisa também é que por jogar futebol desde pequeno eu sempre tive contato com a classe social mais baixa. Isso me deu uma referência de mundo, de realidade, de que a vida da classe social em que eu vivia não era “normal”, de que algumas atitudes e algumas piadas que eu escutava não eram normais e de que as injustiças existiam.
Foi assim que eu comecei a perceber estas injustiças e me questionar “por que eu tenho e eles não têm?”. E foi aí que o RAP me pegou, porque ele contava a história do “mundo de lá, da ponte pra lá”. Ouvindo o RAP eu compreendia os meus amigos do futebol e conseguia falar a língua deles. E cada vez mais eu queria saber o porquê disso, aonde eu podia ajudar. Aquilo me perturbava, sabe, porque eu tinha e eles não, eu tinha vergonha e eu queria mudar de algum jeito.
O RAP e esta convivência com uma classe mais baixa me trouxe uma consciência social, a rebeldia e o questionamento, da mesma forma que a poesia me trouxe o saber das palavras, os livros me trouxeram o saber das ideias e o samba o saber de lindas melodias, de como se fazer humor e de saber levar a vida mais na simplicidade e no sorriso aberto.
O que inspira seu trabalho?
FB – Minha inspiração vem tanto de experiências reais quanto de coisas que eu leio. Então, muitas ideias vieram de coisas que eu vi ou ouvi e pensei “nossa, eu preciso falar sobre isso”, ou de cosias que eu li, porque eu sempre leio muitos livros, artigos de jornais sobre assuntos que eu penso que preciso me posicionar, que eu considero importante. Eu também gosto muito de conversar com os meus amigos e surgem debates. Eles às vezes me falam coisas que eles vivem e eu penso logo “cara, como é que é esta realidade aí? Eu quero falar sobre isso”, mas a maioria dos temas é mesmo de coisas que eu leio.
Vem sempre alguém na minha página que me pergunta de onde eu tiro tantas ideias. Eu respondo “Vai ler!”, porque não brota do nada. Desde cedo, dos 10 anos, eu graças à Deus, e por influência da minha família, tenho este gosto por buscar conhecimento e a leitura. Então chega hoje eu posso falar de certos assuntos e ter muitas ideias, mas se hoje eu tenho 25 anos, já faz 15 que eu estou buscando isso. Por isso eu digo para essa molecada: “Estuda, vai ler, porque se você for falar de um assunto você tem que ter conhecimento sobre ele, para trazer algo novo para quem vai ouvir, senão você vai cair no clichê”.
Eu leio bastante e sou bem ligado com as milhas referências. Às vezes eu fico até preocupado: “será que eu coloco muita referência? Será que eu não estou fugindo da realidade da maioria dos brasileiros? Será que eu estou conseguindo fazer as pessoas entenderem o que eu quero falar?”. Porque às vezes eu coloco referências que pra mim são tão claras que falo: “nossa isso aqui vai resumir a ideia”, mas infelizmente algumas são de difícil assimilação por parte das pessoas. Eu falo com o meu irmão que eu preciso fazer músicas mais simples, simplificar mais as ideias, porque pra atingir mesmo a massa, chegar até mais pessoas.
Qual dica você pode dar para quem está começando agora nesta arte?
FB – Primeiramente, que tenha curiosidade para aprender, de estudar, de ir atrás, porque talento não é nem metade do caminho. Quanto mais eu estudo mais eu vejo que não sei, mais eu vou atrás. E assim eu começo a me tornar não só um profissional melhor como também uma pessoa melhor. Eu acho que no Brasil falta um pouco mais de valorização do trabalho e do estudo. O povo brasileiro sempre valorizou mais a intuição. Quem nasce com talento e é um grande jogador não precisa treinar. O talentoso não precisa treinar. Aí a gente vai lá e toma 7 a 0 da Alemanha, aí a gente pensa “opa!”.
Então a gente vê também muitos músicos talentosíssimos que não estudam, que não leem livros, que não fazem aula de música e falam “ah, eu faço música por intuição”. Tá, mas se você estudar você pode ir mais longe. Então, nunca pense que a intuição é suficiente, tenha curiosidade para aprender, pois o dia que a sua curiosidade morrer, você também começará a morrer como artista e como pessoa.
Segundo, defina bem o que você quer do que você faz, porque eu penso que seus objetivos e seus sonhos é que vão definir seus pensamentos e as suas ações. E suas ações é que vão definir o seu caráter, quem você é, quem você vai ser. Defina isso e tenha como foco algo além do bem material, do dinheiro. Porque se eu tiver como objetivo apenas o dinheiro, ficar famoso, a minha arte será apenas um meio para uma vaidade pessoal. Um caminho que não vai me tornar um ser humano melhor nem me deixar mais feliz. Então põe um sonho na sua cabeça, uma utopia, como fala na música “Meus Heróis”, olha bem pra ela e diz: “eu vou chegar lá!”.
Se ela for além do dinheiro, você vai dar cada passo em prol de um bem maior, e este bem maior é que vai preencher a sua alma, definir o seu caráter e enriquecer a sua arte. As pessoas a sua volta vão perceber isto.
Eu vou dizer também que sim, vai ter muito perrengue. Não é porque você faz o que você ama que não terá perrengues. Para fazer o que ama você tem que estar preparado para passar o dobro desses perrengues, porque você vai sentir mais cada um deles.
Eu e o MC Garden já tivemos um show cancelado por falta de público, você imagina? É o desânimo. A gente achando que está passando uma ideia, a “Geração de Pensadores”, e tem um show cancelado por falta de público. Outra vez a gente foi cantar em um evento em que o tema principal era o “funk ostentação” e estava lotado. Foi o lugar que a gente cantou que estava mais cheio e a gente falou “caramba! Porque que está tão lotado assim, se em todo lugar que a gente vai cantar tem sempre um público menor?”. Quando olhamos no fayer do evento estava lá: funk ostentação, o nome dos MCs, e não tinha nem o nosso nome. Aí nós pensamos: “Nossa, estamos na jaula dos leões. É um público que não é o nosso! Mas vamos lá, vamos ver se conseguimos mudar alguém que está aí nessa plateia”. E foi isso que aconteceu. A galera ficou até meio chocada ouvindo, tentando entender. Algumas músicas a gente pulou, porque achamos que não ia dar certo. Mas é triste, às vezes desanima, mas a gente continua seguindo com o trabalho.
Conheça um pouco do trabalho do Fábio Brazza e do MC Garden nos vídeos abaixo. Vale muito a pena escutar mais!
Geração de pensadores
Poesia “Sem Moda, Sem medo”
Meus Heróis